Os impactos da Crise financeira na economia
O termo crise financeira é aplicado a uma variedade de situações nas quais instituições ou ativos financeiros se desvalorizam repentinamente. Certamente a mais conhecida recentemente foi o que aconteceu com as Lojas Americanas, importante e tradicional rede varejista do Brasil.
No dia 11 de janeiro de 2023, explodiu a notícia do alto endividamento da empresa. A companhia divulgou ao mercado a descoberta de inconsistências contábeis da ordem de R$ 20 bilhões – um número que aumentaria dias depois para R$ 40 bilhões. Dias depois, a companhia entrou com pedido de recuperação judicial, que foi aceito.
Desdobramentos e impactos
Após o aceite do pedido de recuperação judicial, fica o questionamento: quais os impactos que este processo pode acarretar no mercado financeiro ou na economia? Afinal, trata-se de uma empresa que faturou R$ 5,4 bilhões em 2022, com mais de 40 mil funcionários – que pode chegar a 100 mil empregos se considerarmos os indiretos -, com milhares lojas espalhadas pelo país, um dos maiores marketplaces online e registro de 50 milhões de consumidores.
Há quem diga que a eventual quebra do Grupo Americanas pode acarretar o colapso da cadeia de produção do Brasil, com prejuízos em relevantes setores econômicos, afetando mais de 50 milhões de consumidores, colocando em risco dezenas de milhares de empregos. Já os investidores começaram a perder a confiança nas empresas brasileiras após o fato, e questionam o discurso de que o colapso da varejista foi um caso isolado.
O histórico das empresas que entraram em recuperação judicial é que, para conter os gastos e pagar as dívidas, tiveram que cortar quadro de trabalhadores e demitir estagiários que estavam começando a trabalhar desde que, claro, a falência seja realmente evitada. Além das demissões, milhares de fornecedores podem ficar sem receber e investidores terão prejuízos, o que pode se desdobrar em mais demissões indiretas.
Explicação para as inconsistências contábeis
O “risco sacado”, ou “forfait”, uma espécie de antecipação de recebíveis, foi apontado como uma das potenciais causas do rombo. A prática, comum no varejo, consiste em pegar financiamento com um banco para compra de material de fornecedores. Dessa forma, a dívida da varejista passa a ser com o banco e não mais com o fornecedor. Se o pagamento for prorrogado, entra a incidência de juros.
As vantagens do procedimento são que a empresa consegue mais prazo para pagar pela dívida e o fornecedor recebe o dinheiro antes do acordado. No caso da Americanas, o problema é que isso não foi devidamente reportado no balanço. O erro pode aumentar o grau de endividamento da companhia e dá margem, de acordo com cláusulas contratuais, à cobrança antecipada de dívidas.
Analistas do mercado veem com desconfiança o fato de diretores da companhia terem vendido mais de R$ 210 milhões em ações da empresa antes do anúncio do rombo financeiro. O Ministério Público de Contas, junto ao Tribunal de Contas da União (MPTCU), solicitou que o tribunal apure possível “omissão” da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) em finalizar o “suposto esquema de fraude ocorrido na empresa”.
Especialistas sugerem cautela
Representante de uma empresa multimercado aconselha cautela e diz que as sementes de uma crise de crédito foram germinadas no país nos últimos anos. Agora, com crescimento econômico morno, inflação persistente, juros altos e confiança comprometida pelas revelações de suposta fraude na Americanas, essas sementes podem estar prestes a brotar. O resultado é um inevitável e importante aperto nos lending standards dos bancos, o que pode potencializar e acelerar um ciclo de crédito que já parecia desfavorável. Isso significa problemas não apenas para empresas insolventes, mas possivelmente também para empresas com problemas de liquidez.
A inflação persistente nos EUA, junto com incertezas sobre as políticas de gastos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, podem levar o Federal Reserve e o Banco Central do Brasil a manter os custos de empréstimos elevados por mais tempo, o que pode acelerar inadimplências ou reestruturações, especialmente para emissores com classificação de grau especulativo. Em algum momento, aquelas com liquidez mais fraca enfrentarão a escolha de continuar como estão ou tentar preservar o caixa e reestruturar sua dívida para que a empresa seja sustentável no longo prazo.